Fonte: INPE
 

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Botocudos x fazendeiros

Texto e fotos: Marcelo JB Resende. REPRODUÇÃO PROIBIDA.

A primeira unidade estadual de conservação de Minas Gerais foi palco de uma história de ódio, massacres e disputas impiedosas. O capitão francês Thomas Guido Marliére foi uma figura central, humanista que iniciou um diálogo amistoso com os então temidos Botocudos, por sua vez odiados e massacrados pelos latinfundiários invasores dos séculos XVIII e XIX.

Os primeiros registros de ocupação da região datam de 1533, quando Fernandes Tourinho subiu o rio Doce à procura da lendária Serra das Esmeraldas. Esta busca se estendeu por mais de século. Em 1718 outro explorador, Marcos de Azevedo, seguiu a mesma rota, pois acreditava-se que a tal serra estava nos divisores de águas dos rios Doce, Araçuaí e São Mateus. Corredeiras não permitiam a passagem das embarcações, e por terra a tarefa era dificultava pela mata fechada habitada por aguerridos índios Botocudos, pertencentes à nação Krenak.

 

Outra rota seria encontrada para se chegar às fabulosas riquezas de Minas Gerais, mas mesmo assim a região precisava ser ocupada. A partir de 1808, o príncipe-regente D. João VI, no Brasil fugido das tropas de Napoleão Bonaparte, declarou guerra aos Botocudos. Deu-se então um tempo de genocídios, colonização feroz e escravização indígena.

 
Clique para ampliar - cópia proibidaCapitão francês Thomas Guido Marliere.

Clique para ampliar - cópia proibidaOs temidos e aguerridos índios Botocudos.

A matança somente se arrefeceu com uma nova política indigenista, implantada em 1819. Na ocasião foi nomeado o capitão Marliére - que esteve na região entre 1824 e 1839 -, como comandante-geral das Divisões Militares do Rio Doce e diretor-geral dos Índios de Minas Gerais. Era um humanista à frente de seu tempo, pioneiro ao estabelecer relações humanas e respeitosas com os índios, até então considerados um obstáculo à colonização e exterminados sem piedade. Os índios Botocudos, os mais temidos, chegaram a figurar como inimigos públicos de primeira ordem pelo príncipe regente Dom João VI. Ao mesmo tempo em que conquistou a amizade dos índios, Marliére adquiriu a ojeriza dos latifundiários locais. Escreveu, ao deixar o Rio Doce: “Há 13 anos que grito aos sucessivos governos contra os matadores e opressores dos índios. Nunca tive senão respostas evasivas, devassas de encomendas que não se verificaram, ordens sem execução. Não se enforcou até hoje um só matador de índio”.

 

Como é praxe em nossa história, os índios levaram a pior e acabaram sendo expulsos de sua terra. A partir daí a região seguiu pacificada, sem muitos acontecimentos que merecessem destaque. A maior parte dos visitantes do PERD pertence a municípios vizinhos, cujos habitantes já freqüentavam o local bem antes da criação do parque em 1944. Nas décadas de 30, 40 e 50 do séc. XX toda a região era assolada por epidemias (febre amarela, malária e leishmaniose). Fato curioso é que a evasão provocada por tais moléstias ajudou na preservação do lugar, mantendo-o pouco habitado.

 

Os moradores do entorno realizavam então, todos os anos, uma romaria que partia de Marliéria e se dirigia – por terra e depois de barco - à prainha da lagoa Nova (atual Dom Helvécio), onde era celebrada uma missa em razão dos enfermos. Levavam consigo uma imagem de N. Sra. da Saúde, trazida da Itália pelo arcebispo de Mariana, Dom Helvécio Gomes de Oliveira. Foi o arcebispo o principal mentor da criação do parque. Partiu dele a iniciativa de enviar uma carta ao governador de Minas Gerais (meados da década de 1930), Benedito Valadares, sugerindo uma unidade de conservação, cujos trabalhos de demarcação iniciaram-se em 1939 e culminaram com a criação do parque por decreto em 14/07/1944.


Clique para ampliar - cópia proibidaPonte Queimada.

Clique para ampliar - cópia proibidaCentro de visitantes.
 

As romarias terminaram na década de 50, quando uma das canoas de romeiros virou e 19 pessoas morreram Só foram retomadas em 1994, com a reabertura do parque, que ficou fechado entre 1987 e 1993. Desde então a Romaria Ecológica é o principal evento do parque, um verdadeiro resgate da tradição religiosa e da cultura local. Realiza-se sempre em julho, no sábado mais próximo ao aniversário do parque. A mesma imagem de madeira de N. Sra. da Saúde é levada de Marliéria para o parque, escoltada por até 700 cavaleiros. As caravanas partem também de municípios vizinhos, encontrando-se no parque. Além de cavalos, os romeiros vão a pé, de carro, de ônibus, de bicicleta...


Afastadas da portaria principal, mas ainda dentro do parque, estão atrações curiosas, intrinsecamente ligadas à sua história. A ponte Queimada (porção leste) tem sua origem em 1782, quando o então governador da capitania de Minas. D. Rodrigo José de Menezes, mandou construir uma estrada ligando Vila Rica (atual Ouro Preto) à região do rio Cuieté, onde se aventava a descoberta de ouro. Esta estrada cortava a área onde hoje está o parque e atravessava o rio Doce. Há três versões para o nome da ponte, que alimentam e dão sabor à controvérsia, envolvendo degredados, agentes do Estado e os índios Botocudos. A primeira culpa os malfeitores de Ouro Preto, Mariana e Sabará, que foram degredados para a região e, revoltados, tocaram fogo na ponte. A segunda incrimina os próprios policiais, insatisfeitos com a tarefa infeliz de conduzir degredados. Já a terceira, mais repetida e popularmente aceita, coloca os ferozes índios Botocudos como autores, por razões óbvias de defesa de seu território. A ponte poderia ser chamada também de “molhada”, pois foi, por pelo menos duas vezes, destruída por enchentes do rio Doce. Esta ponte “teimosa” merece uma visita não só por sua história, mas pela beleza do local, num desnível encachoeirado onde o rio Doce exibe toda sua majestade e força.

 

A outra atração é a ponte Perdida (porção norte), de história bem mais recente. É uma construção que liga o nada a lugar nenhum, pois a estrada prevista – Belo Horizonte a Caratinga - foi embargada em 1973 graças à atuação do Centro Mineiro para Conservação da Natureza e da Sociedade Ornitológica Mineira. A ponte Perdida é um marco do movimento ambientalista nacional, ao evitar que uma segunda estrada fragmentasse o parque. Hoje, sobre a estrutura da ponte, estão um posto de fiscalização, alojamento e laboratórios voltados para a pesquisa. Sua visita é recomendada aos mais empolgados, pois fica bem distante da portaria principal do parque. Fora do parque merece uma visita o mirante do Jacroá, no alto da serra, na estrada de terra para Marliéria.



Clique para ampliar - cópia proibida O Brasil era assim.

Clique para ampliar - cópia proibida O rio Doce, "estrada" original, por onde chegaram os desbravadores.
 
Clique para ampliar - cópia proibida Capela Nossa Senhora da Saúde, padroeira do parque.
 
 

Circuito Mata Atlântica de Minas



















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